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Mas o marechal que disse?
Não disse nada, ouviu-me com atenção obsequiosa e chegou a sorrir, um sorriso
leve, um sorriso de acordo...
Ou seria... Quem sabe... Você não andou bem, decerto. Comigo ele diria alguma cousa.
Você expôs tudo, conforme tínhamos combinado?
Tudo.
Expôs as razões da comissão, o desempenho, a nossa moderação?...
Tudo, Cláudia.
E o aperto de mão do marechal?
Não estendeu a mão, a princípio; fez um gesto de cabeça; eu é que estendi a minha,
dizendo: Sempre às ordens de Vossa Ex.a.
E ele?
Ele apertou-me a mão.
Apertou bem?
Você sabe, não podia ser um apertão de amigo, mas deve ter sido cordial.
E nenhuma palavra? Um passe bem, ao menos?
Não, nem era preciso. Cortejei-o e saí.
D. Cláudia deixou-se estar pensando. A recepção não lhe pareceu que fosse má, mas podia ser
melhor. Com ela, seria muito melhor.
CAPÍTULO LXXIX / FUSÃO, DIFUSÃO, CONFUSÃO...
Atrás falei das alucinações de Flora. Realmente, eram extraordinárias.
Em caminho, depois do desembarque, não obstante virem os gêmeos separados e sós, cada um
no seu coupé, cismou que os ouvia falar; primeira parte da alucinação. Segunda parte: as duas
vozes confundiam-se, de tão iguais que eram, e acabaram sendo uma só. Afinal, a imaginação
fez dos dous moços uma pessoa única.
Este fenômeno não creio que possa ser comum. Ao contrário, não faltará quem absolutamente
me não creia, e suponha invenção pura o que é verdade puríssima. Ora, é de saber que,
durante a comissão do pai, Flora ouviu mais de uma vez as duas vozes que se fundiam na
mesma voz e mesma criatura. E agora, na casa de Botafogo, repetia-se o fenômeno. Quando
ouvia os dous, sem os ver, a imaginação acabava a fusão do ouvido pela da vista, e um só
homem lhe dizia palavras extraordinárias.
Tudo isto não é menos extraordinário, concordo. Se eu consultasse o meu gosto, nem os dous
rapazes fariam um só mancebo, nem a moça seria uma só donzela. Corrigiria a natureza
desdobrando Flora. Não podendo ser assim, consinto na unificação de Pedro e Paulo.
Porquanto, esse efeito de visão repetia-se ao pé deles, tal qual na ausência, quando ela se
deixava esquecer do lugar, e soltava a rédea a si mesma. Ao piano, à palestra, ao passeio na
chácara, à mesa de jantar, tinha dessas visões repentinas e breves, e das quais ela mesma
sorria, a princípio.
Se alguém quiser explicar este fenômeno pela lei da hereditariedade supondo que ele era a
forma afetiva da variação política da mãe de Flora, não achará apoio em mim, e creio que em
ninguém. São cousas diversas. Conheceis os motivos de D. Cláudia a filha teria outros que
ela própria não sabia. O único ponto de semelhança é que, tanto na mãe como na filha, o
fenômeno era agora mais freqüente, mas em relação à primeira vinha do atropelo dos
acontecimentos exteriores. Nenhuma revolução se faz como a simples passagem de uma sala
a outra; as mesmas revoluções chamadas de palácio trazem alguma agitação que fica por certo
prazo, até que a água volte ao nível. D. Cláudia cedia à inquietação dos tempos.
A filha obedeceria a outra causa qualquer, que se não podia descobrir logo, nem sequer
entender. Era um espetáculo misterioso, vago, obscuro, em que as figuras visíveis se faziam
impalpáveis , o dobrado ficava único, o único desdobrado, uma fusão, uma confusão, uma
difusão...
CAPÍTULO LXXX / TRANSFUSÃO, ENFIM
Uma transfusão, tudo o que puder definir melhor, pela repetição e graduação das formas e dos
estados, aquele particular fenômeno, podes empregá-lo no outro e neste capítulo.
Dito o fenômeno, é preciso dizer também que Flora, a princípio, achava-lhe graça. Minto; nos
primeiros tempos, como estava longe, não lhe achou nada; depois, sentiu uma espécie de susto
ou vertigem, mas logo que se acostumou a passar de dous a um e de um a dous, pareceu-lhe
graciosa a alternação, e chegava a evocá-la com o propósito de divertir a vista. Afinal nem
isto era preciso, a alternação fazia-se de si mesma. Umas vezes era mais lenta que outras,
alguma instantânea. Não eram tão freqüentes que confinassem com o delírio. Enfim, ela se foi
acostumando e deleitando.
Uma ou outra vez, na cama, antes de dormir, repetia-se o fenômeno, depois de muita
resistência da parte dela, que não queria perder o sono. Mas o sono vinha, e o sonho
completava a vigília. Flora passeava então pelo braço do mesmo garção amado, Paulo se não
Pedro, e ambos iam admirar estrelas e montanhas, ou então o mar, que suspirava ou
tempestuava, e as flores e as ruínas. Não era raro ficarem os dous a sós, diante de uma nesga
de céu, claro de luar, ou todo repregado de estrelas como um pano azul escuro. Era à janela,
supõe; vinha de fora a cantiga dos ventos mansos, um espelho grande, pendente da parede,
reproduzia as figuras dela e dele, confirmando a imaginação dela. Como era sonho, a
imaginação trazia espetáculos desconhecidos, tais e tantos que mal se podia crer bastasse o
espaço de uma noite. E bastava. E sobrava. Sucedia que Flora acordava de repente, perdia o
quadro e o vulto, e persuadia-se que era tudo ilusão, e raro então dormia. Se era cedo, erguia-
se, andava, cansava-se, até adormecer novamente e sonhar outra cousa.
Outras vezes, a visão ficava sem o sonho, e diante dela uma só figura esbelta, com a mesma
voz namorada, o mesmo gesto súplice. Uma noite, indo a deitar-lhe os braços sobre os ombros
com o fim inconsciente de cruzar os dedos atrás do pescoço, a realidade, posto que ausente,
clamou pelos seus foros, e o único moço se desdobrou nas duas pessoas semelhantes.
A diferença deu às duas visões de acordada um tal cunho de fantasmagoria que Flora teve
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